A forma ‘há’, do verbo haver, ou a preposição ‘a’, costumam gerar dúvidas quando são usadas para designar tempo. Mas eu juro que é menos complicado do que parece. Olha só:
‘Há’, ao designar tempo, sempre se refere a tempo decorrido, passado, podendo estar relacionado a uma ação pontual, acabada:
Há três anos estive em São Paulo.
Nessa frase, entende-se que, três anos atrás, o sujeito esteve em São Paulo;
Ou uma ação em andamento, ou seja, que teve início em um momento, no passado, e continua acontecendo ou se repetindo:
Tenho ido a São Paulo há três anos
Nesse uso, a informação que é possível extrair da frase é que o sujeito começou a ir para São Paulo há três anos e continua indo, frequente ou esporadicamente.
E agora um exemplo de uso do ‘há’ para designar tempo passado que você vai ler cantando:
E há tempos nem os santos têm ao certo a medida da maldade
E há tempos são os jovens que adoecem.
E há tempos o encanto está ausente…
(Há tempos – Legião urbana)
Não disse? Hehehe
Aproveitando a música belíssima do saudoso Renato Russo, observe que os usos do ‘há’, nos versos, indicam ação no passado que está em andamento, ou seja, ‘há tempos são os jovens que adoecem’, dito de outra forma, seria “os jovens começaram a adoecer tempos atrás e continuam adoecendo” (me perdoem por acabar com a poesia da frase).
Se esses exemplos ainda não deixaram claro quando o ‘há’ deve ser usado para designar um tempo passado, você pode testar a substituição do verbo ‘haver’ pelo ‘fazer’ (efetuando as devidas alterações na frase). Exemplo:
Faz três anos que estive em São Paulo
Tenho ido a São Paulo faz três anos
E faz tempo que nem os santos têm ao certo a medida da maldade
E faz tempo que são os jovens que adoecem
E faz tempo que o encanto está ausente
(Perdão novamente por ousar alterar a letra da música).
Agora, é importante estar atento para o seguinte: não se deve usar ‘há’ e ‘atrás’ na mesma frase, pois causa efeito de redundância. Por isso, evite frases do tipo:
Fui a São Paulo há três dias atrás.
Mas, eis que…
Eu nasci há dez mil anos atrás…
Imagino que você esteja se perguntando: “Como assim? Raul Seixas cantou errado esse tempo todo?” Não. Raulzito nunca errou! A resposta aqui é simples: trata-se de um caso de licença poética, muito comum na literatura, na música e afins.
Dito isso, vamos agora à preposição ‘a’.
Para nunca mais confundir: disse (várias vezes, inclusive) acima que o ‘há’ quando usado para designar tempo, se refere a um tempo passado, certo? Pois a preposição ‘a’, quando usada para designar tempo, se refere, única e exclusivamente, ao futuro. Simples assim.
Daqui a 6 meses terei terminado a faculdade.
Estamos a três dias do grande anúncio.
E já que estamos musicais por aqui hoje, segue mais um exemplo para ajudar a memória:
Mas daqui a um mês, quando você voltar
A lua vai tá cheia e no mesmo lugar
(Quanto tempo demora um mês. Biquini Cavadão).
Bom, no que se refere aos usos confusos do ‘há’ e ‘a’ para designar tempo, acho que ficou explicadinho, certo?
Mas vou aproveitar a deixa para falar um pouquinho do verbo ‘Haver’, muitas vezes objeto de sérias dúvidas. Isso porque, quando assume o sentido de ‘existir’ ou ‘ocorrer’, ele é impessoal, não tem sujeito, e deve ser conjugado sempre na terceira pessoa do singular: há, houve, haverá. Assim, o correto é dizer:
Há uma pessoa à porta.
Há três carros na garagem.
Houve um acidente na minha rua esta manhã.
Houve muitas denúncias de roubo no bairro onde moro.
Haverá uma grande festa no próximo mês.
Haverá dias em que sentiremos falta das coisas simples às quais hoje não damos valor.
Viu? Portanto, resista à tentação de concordar o verbo com o objeto, quando este está no plural, e já risque do seu dicionário os termos houveram e haverão quando o sentido for de ‘existiram’, ‘ocorreram’, ‘existirão’ ou ‘ocorrerão’. O verbo haver, nesse sentido, é invariável e sempre será conjugado na 3ª pessoa do singular.
O mesmo acontece quando o haver vem antecedido de um verbo auxiliar:
Deve haver muitas manifestações nas ruas nos próximos dias.
Iria haver muitas manifestações nas ruas nos próximos dias.
Pode haver muitas manifestações nas ruas nos próximos dias.
Viu só?
E já que não consegui pensar em nenhuma música para ilustrar essa parte do texto, deixo duas citações que com certeza você conhece, e que podem servir de referência quando surgir alguma dúvida na hora de utilizar o ‘há’ com o sentido de ‘existir’:
“Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que julga nossa vã filosofia” (William Shakespeare).
Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. (Autoria desconhecida).
Tá vendo como escrever é simples, mas nem tanto? Se você ainda precisa de ajuda com criação de textos, conte com os profissionais do Meu Redator.
Escrito por:
Maria Helena Favaro
Mestre em Linguística Aplicada pela UFSC e doutoranda em Análise do Discurso pela UNISUL. Apoiadora do Meu Redator e escritora nas horas vagas.